Diz o Governo sobre a prova que esta “separa a fase de formação realizada nas instituições de ensino competentes, da fase de selecção e recrutamento realizada pelo empregador interessado”, sendo que realço daqui a palavra “separa” e as expressões “instituições de ensino competes” e “empregador interessado”. Começo pela última, “empregador interessado”, quem é este empregador? Pelo que leio no Dec. Regulamentar n.º 3/2008 de 23 de Janeiro, esse empregador é, nem mais nem menos do que o Estado e não outro, senão leia-se o Artigo 2º do mesmo decreto:
“A prova de avaliação de conhecimento e competências destina-se a quem, sendo detentor de uma habilitação profissional para a docência, pretenda candidatar-se (…) no âmbito dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação”.
Uma questão consequente é: será o Estado um empregador como outro qualquer?
Na minha opinião, não, e no caso dos professores não o pode ser. Não pode ser que um Governo financie as Universidades para que estas formem professores, reconheça que estas são “instituições de ensino competentes” e depois, de um momento para o outro lhes retire a competência, dê todo o dinheiro que gastou como perdido e aplique uma “prova de avaliação de conhecimento e competências” que anulam cinco anos de estudos e em alguns casos, como o meu, ainda mais.
Mas consideremos que o Estado é um empregador como outro qualquer, então estamos perante um flagrante caso de “faz o que eu digo e não o que eu faço”. Este governo vive a apregoar a aproximação do tecido empresarial e as universidades, vive a incentivar a aproximação entre a indústria e o ensino superior, vive a anunciar que as nossas universidades são tão boas que têm acordos com as melhores academias do mundo, e depois são os primeiros a aplicar provas para separar a fase de formação realizada nas universidades (que são tão boas) da fase de selecção e recrutamento? Nem tampouco dá a oportunidade de ir a uma fase de selecção? Não sei de outra profissão onde isso aconteça. Mesmo naquelas onde há Ordens, certas universidades são reconhecidas como boas e não são necessários exames adicionais para aceder à carreira. No caso dos docentes, o Governo não reconhece competência a nenhuma universidade!
Contudo, não são só as universidades que estão em causa. Como é do conhecimento geral, os cursos de ensino têm um estágio integrado; quando realizei o meu, leccionei uma turma e atendia a aulas de outras duas; o que pode não ser assim tão conhecido é que há dois professores que supervisionam todo o estágio, um chamado orientador pedagógico, docente da escola onde decorre o estágio, e outro que tem a função de orientador científico, docente da universidade. É também destes orientadores que o Governo desconfia, da sua competência para orientar e avaliar da “capacidade de adequação do docente às exigências do desempenho profissional docente”, e eu até concordo que em qualquer profissão há melhores e piores mas estes orientadores são normalmente os melhores que cada escola tem e, no meu caso, o orientado pedagógico até foi o Dr. Arsélio Martins, galardoado com o Prémio Nacional de Professores em 2007.
Mesmo com todas estas dúvidas que o Governo lança sobre as universidades e sobre os docentes orientadores de estágio, o mais escandaloso é ver que no Artigo 11º do referido Dec. Regulamentar surge o seguinte:
“1- O Gabinete de Avaliação Educacional pode constituir parcerias com associações pedagógicas ou científicas, centros de investigação ou instituições de ensino superior tendo em vista a elaboração de qualquer das componentes da prova”
Ou seja, quem avaliou os professores durante toda a sua formação académica, que é o alvo de infindáveis suspeitas a tal ponto de nem poderem aceder ao concurso, poderá ser o mesmo organismo que concebe a dita prova.
Por último, fico surpreso (ou não), ao ver que mesmo ao pôr em marcha a aplicação desta prova, o Governo tenta dividir os professores, e trata cidadãos nas mesmas circunstâncias de uma forma desigual. Prova da minha afirmação anterior é o que podemos ler no Artigo 20º: “1- O docente que tenha celebrado contrato, em qualquer das suas modalidades, em dois dos últimos quatro anos imediatamente anteriores ao ano lectivo 2007-2008, desde que conte, pelo menos, cinco anos completos de serviço docente efectivo e com avaliação de desempenho igual ou superior a Bom, está dispensado da realização da prova para efeitos de admissão a concursos de recrutamento e selecção de pessoal docente.” Porquê não dar a todos a possibilidade de mostrar que também podem ter avaliação igual ou superior a Bom durante cinco anos? Porquê cinco anos? Porque não três ou oito? Não somos todos licenciados em ensino? Claro que quem tem cinco anos de serviço tem a sabedoria da experiência, mas e quem tem quatro, não tem nada? Encontra-se no Artigo 5º o seguinte:
“3- A componente comum da prova pode, ainda, avaliar conhecimentos e a capacidade de reflexão sobre a organização e o funcionamento da sala de aula, da escola e do sistema educativo.”
Como pode uma pessoa com um ano de serviço estar tão informado sobre estes assuntos como uma pessoa com quatro anos e trezentos e sessenta e quatro dias de serviço? No entanto fazem a mesma prova. E como poderá a sua reflexão ser mais profunda e precisa se lhe é vedado o acesso à escola se não passar na prova?
É esta política cujo objectivo único é penalizar os docentes, que demonstra bem um ódio cego que nem deixa os responsáveis do Ministério da Educação verem as incongruências e injustiças das suas próprias ideias.