A extinção das escolas técnicas e dos liceus, em nome de um pretenso ensino “democrático”, independentemente das vocações ou capacidades cognitivas dos alunos, é uma aberração nacional pós 25 de Abril merecedora da crítica que foi feita em França, por Jean-Luc Melénchon, figura socialista com elevada audição no respectivo sistema educativo: “ O collège único é uma ficção, um igualitarismo funcional que nada tem a ver com a igualdade real” (“L’Express”, 22 de Março de 2001).
Paradoxalmente, esta medida, tomada por uma certa esquerda portuguesa, em evidente ingratidão para com os tempos em que classe operária era o esteio do comunismo, levou ao desaparecimento, da noite para o dia, das escolas industriais e comerciais com tão boas provas dadas na formação de técnicos competentes: electricistas, mecânicos de automóveis, contabilistas, etc. Desta forma dita progressista, ficou o país carenciado de mão-de-obra qualificada, verdadeiro motor do seu desenvolvimento económico e social.
Actualmente, uma percentagem considerável de finalistas do ensino básico (que passam de ano como cão por vinha vindimada) está deficientemente preparada quando entra, quase à força, nas actuais escolas secundárias, encontrando, posteriormente, escolhos sem fim que a torna náufraga do mar proceloso do ensino universitário, a não ser que recorra à bóia de um certo ensino superior universitário privado. Mas mesmo parte desse ensino, após anos de passagem de diplomas que envergonham o país, parece ter os dias contados, a exemplo das recentes extinções de universidades privadas criadas para aumentar o ego dos incapazes de um percurso académico exigente porque, segundo Anton Tchekhov, “ a universidade revela todas as incapacidades, inclusive a incapacidade”.
Nos anos 60, o Prof. Francisco Leite Pinto, então ministro da Educação Nacional, disse ironicamente haver duas maneiras de mentir: uma é não dizer a verdade, outra fazer estatística. Hoje em dia, com finalidades estatísticas (tão caras ao Partido Socialista e de que o actual Ministério da Educação se fez fiel servidor), deixar passar os alunos nos três ciclos do ensino básico, sem testar as suas aprendizagens, poderá colocar Portugal na vanguarda de países europeus mais desenvolvidos. Mas, por outro lado, em termos de alfabetismo funcional e cultural, este relaxe corre o risco de situar o país no lugar de lanterna vermelha de regiões do terceiro mundo.
Por ser um acérrimo defensor de um ensino técnico dignificado e ter sido, para além de docente liceal e universitário em Portugal, professor durante muitos e saudosos anos da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, na então Lourenço Marques, não posso deixar de registar com apreço a nota de abertura do respectivo “site”, intitulado “Os nossos professores”. Reza ela:
“Naturalmente que, como em tudo, nem todos conseguiram ser populares entre os aluno mas, todos, contribuíram, de uma forma ou de outra, para a nossa formação, quer como estudantes, quer como pessoas. Alguns deixaram a sua marca. Sempre tivemos capacidade de entrar em algumas brincadeiras, partidas mais ousadas, sem contudo roçar sequer a má educação, ordinarice ou violência. Ainda hoje, e eu faço notar isso aos meus filhos, eu sei os nomes dos meus professores, e faço questão de realçar a sua competência. Pena é que nem todos eles possam já tomar conhecimento de que também fazem parte da nossa saudade académica”.
Foi este ensino técnico capaz de criar alunos desta estripe num tempo tão diferente do actual em que as criancinhas ou rapazolas agridem fisicamente os professores e os pais fomentam e participam até pessoalmente nesse tipo de violência.
Mas não me venham agora com o logro de um ensino oficial “democrático” e, dito, gratuito, mas em que as despesas com o material escolar são pagas em 45.5 % com o subsídio de férias, em 25.1 % com recurso ao crédito, 6.3 % com ajuda dos avós e 1.1 % a prestações (“Expresso”, 4 de Outubro de 2008). Ou seja, só unicamente, 22% dessas despesas não carecem de um penalizante e evidente sacrifício familiar.
E o que dizer de despesas bem maiores por parte dos pais, para a obtenção de uma prestigiada licenciatura para os filhos em universidades longe de casa, quando uma vogal da Câmara Municipal de Lisboa, de posse, apenas, de um curso médio de Enfermagem, ocupou as colunas dos jornais sem ser pelas melhores razões, usufruindo de uma pensão mensal que ultrapassa em centenas de euros a de um professor licenciado que hoje dificilmente se conseguirá aposentar no 10.º escalão?
Mas julgo que a louvável intenção do PSD é colher propostas que possam contribuir para a melhoria do ensino. Com fundamento no facto de se obrigar um aluno, cuja vocação esteja decididamente orientada para uma profissão manual, a arrastar-se penosamente durante os nove anos de escolaridade básica até ser considerado que as suas capacidades não estão viradas para o estudo propedêutico das humanidades ou das ciências, entendo que o ensino não superior se devia estruturar em ensino básico (os 6 primeiros anos) e ensino secundário, nas duas vertentes liceais e técnico-profissionais (nos restantes 6 anos). Apenas três anos de ensino secundário técnico (10.º, 11.º e 12.º anos) parecem-me insuficientes para criar bons profissionais com a vantagem de poderem vir a encontrar boas oportunidades em termos de emprego e vencimentos numa sociedade saturada de licenciados.
Assim, entendo dever ser desígnio nacional voltar a ministrar o ensino técnico-profissional com a dignidade que merece e não com última oportunidade de falhados. Para o efeito, devem serem recuperadas as oficinas bem apetrechadas e, lamentavelmente, ao abandono das extintas escolas técnicas, dotando-as de professores especializados para um ensino com características específicas. Ou seja, peculiaridades que o diferenciem de um ensino secundário para prosseguimento de estudos superiores, por vezes, degradado por uma vulgarização que em nada abona a idoneidade das instituições académicas que outorgam as respectivas licenciaturas criando um verdadeiro elefante branco de diplomas havidos, apenas, no papel como superiores.
Um contributo enviado por: Rui Baptista