A formação cívica, cultural e comportamental é ministrada, entre nós e, creio, não exclusivamente, por três agentes fundamentais a saber: a casa paterna, a escola e os audiovisuais, isto é, os pais, os professores e a televisão.
Esta ordem é absolutamente arbitrária: tem a ver com os sítios, os tempos e outros factores aleatórios. E não tem nada a ver com as “vítimas”, quero dizer: as crianças.
Por motivos óbvios, durante os primeiros meses de vida, os pais ainda tem alguma exclusividade na sua educação. Dentro em breve sejam amas, ou educadoras infantis, primeiro, professores, a seguir e televisão, sempre, substituir-se-ão àqueles que mal tiveram tempo de usar do seu atributo mais nobre e digno.
Querendo qualificar a acção educativa exercida sobre as crianças pode dizer-se que, como vimos, os pais estão cada vez mais ausentes. A educação desenvolvida por eles é, hoje, uma abnegação, porque dedicação a tempo parcial, porque muitas vezes condicionada pelo contraditório da escola moderna, progressista e carente de valores instilados no seio da família. Contudo, outras condicionantes se sobrepõem à abnegação paternal: o tempo disponível depois do trabalho, das canseiras e das preocupações. Então a primeira educação, a mais determinante da personalidade, sai, fatalmente, prejudicada.
A escola podia substituir-se no que ainda seria susceptível de recuperação. Mas não substitui. A escola actual não é já a fonte de conhecimento e de virtudes. Pelo menos, apenas. É mais um laboratório de testes e cobaias, onde os químicos ou os inertes são seres humanos em formação e onde, muitas vezes, germina a violência que vai, depois, exercitar-se nas pessoas, nos bens, nas ruas e nas estradas. Mas, antes exibe-se, perante professores impotentes e desautorizados. Porque quem o deve fazer, ainda não impôs condições aos professores para desenvolver com rigor a sua função pedagógica nem exigiu aos alunos a sua dedicação exclusiva ao estudo e à aprendizagem. E, a uns atribuir autoridade e a outros prescrever disciplina. Ressalvem-se, no entanto, alguns dos protagonistas – professores e alunos – idealistas, quixotescos que se angustiam com o presente frustrante e um futuro incerto.
Educador não desprezível é a televisão. O que é uma coisa singular, não se lhe conhecendo nem intuitos, nem vocação pedagógica. Contudo a sua acção (de)formativa decorrente da força da imagem e do impacto da cena, é evidente. A divulgação, sem peias, de toda a espécie de violência não passa, apenas, por sexo e morte. A própria animação, supostamente destinada ao telepúblico juvenil, designadamente, a japonesa – como sabemos a cultura japonesa é gémea da nossa – parece-me a mais contra-indicada para as crianças: vejam-se os efeitos visuais, num relampaguear insuportável, a sua oralidade guinchada e incompreensível e os próprios enredos, de uma violência intolerável. E, não esqueçamos que a televisão se intrometeu, já, nos programas pedagógicos. Exemplo modelar, o Big Brother como objecto de estudo na escola é uma abjecção, quando se discute a inclusão, ou não, dos nossos clássicos nos ditos programas.
Desta brilhante educação, quais as ilações?
Não precisamos ser exaustivos: aumento da criminalidade cada vez mais jovem, ciente de inimputabilidade, conspurcação de património público e privado sob invocação impune de liberdade de expressão criativa, e abolição de expressões como “obrigado”, “se faz favor”, “com licença”, etc, etc, estão de tal modo em desuso que, em breve, deixarão de fazer parte do léxico. E a culminar, o desaparecimento gradual de civismo na convivência social.
Perante a demissão dos pais, a desautorização dos professores e a ditadura das audiências, só nos resta questionarmo-nos quanto à qualidade das gerações futuras.
Contributo enviado por:
Manuel Soares Traquina