Na revista «Atlântico» de Março de 2008 (pp. 22-23) publiquei um texto do qual aproveito um excerto a propósito da discussão despoletada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que propõe que se equacione o fim das reprovações até ao final do segundo ciclo do básico:
«Para além do Ministério da Educação, as organizações que por norma têm “negociado” ou “concertado” as políticas educativas reduzem-se a uma – o Estado – que finge ser muitas. Se é o Estado (normalmente por via do Ministério da Educação, mas não necessariamente) quem acaba por ser o maior financiador dos sindicatos (sobretudo por via da dispensa de parte ou da totalidade da componente lectiva aos professores sindicalistas), da Confederação Nacional de Associações de Pais (CONFAP) ou do Conselho Nacional de Educação (CNE), das duas uma: ou esses organismos são a voz do dono; ou os seus pareceres críticos e pressões de pouco ou nada valem porque tais organismos na prática dependem directamente dos financiamentos do Estado. Está-se perante uma espécie de jogo de espelhos. É em grande parte por isso que quem detém o poder político da educação tem governado em rédea solta, com carta branca para os mais variados disparates ou atropelos. Portugal, pelo peso do Estado, apresenta-se como um caso radical.
Dado o actual enquadramento do jogo político da educação, a dita sociedade civil, ao não se conseguir autonomizar do Estado, não é tida nem achada ou, na melhor das hipóteses, não passa de um pano de fundo manipulável. Se quanto aos sindicatos dos professores e à CONFAP a solução passa por deixarem de ser pura e simplesmente financiados pelo Estado (o dinheiro dos contribuintes jamais deve servir para engenharias sociais assentes na manipulação política das ditas “forças vivas”), mais radical tem de ser a atitude política face ao CNE. O último, para além do peso orçamental que deveria ser publicamente debatido e solidamente justificado, tem servido para esvaziar o Parlamento de um papel mais relevante que deveria ter em matérias educativas.
A pretexto da existência do CNE, o Parlamento não se coibiu nas duas últimas décadas de irresponsavelmente “despejar” para fora da política e, pior, da democracia, o debate sobre o ensino (ficando sobretudo e apenas com a pose majestática da decisão), sonhando com um reino idílico de consenso “lá fora” (do Parlamento e da “infectada” política), precisamente quando as matérias em causa são socialmente complexas. Mas é precisamente por isso que elas exigem um permanente confronto de perspectivas. Fechar o CNE poderia ter o efeito simbólico de fazer entrar as políticas educativas em pleno no Parlamento, isto é, abrir-se-iam as portas do ensino à Política (de facto) e à Democracia (de facto). Mesmo se isso não acontecesse, pelo menos o Estado pouparia gastos com a supressão de um órgão que em anos e anos de existência não só foi inútil, como politicamente perverso.
Ao nível do debate e da gestão das políticas educativas continuamos próximos do salazarismo. O incrível é que tudo à volta mudou. Será?!»
Como é óbvia a constatação dos males do ensino serem, na essência, os mesmos há décadas…